domingo, 2 de março de 2008

Razão de ser

Disseram-me que ele tinha voz de anjo. Não sei, nunca ouvi um para poder comparar. Mas que era divina, ah, disso não tenho dúvidas.

O auditório estava lotado. Atenção máxima aos poucos minutos que ficariam eternizados na lembrança. Antes mesmo que ele aparecesse, já era possível sentir o timbre inigualável e os agudos inconfundíveis. Sim, era ele, Milton Nascimento, em Porto Alegre.

Acompanhado pelo grupo Jobim Trio, Milton reviveu a Bossa Nova e os sucessos de sua carreira. Mesmo sentada na galeria da esquerda – o que implica uma visão lateral e leves fisgadas nas costas – o show foi bom e pagaria para ver de novo. Não há ritmo que faça a alma querer tanto dançar e que remexa tanto o corpo sem querer. Samba, Bossa, Milton.

Ao chegar em casa, ainda com as canções ressoando na cabeça, uma sensação de saciedade tomou conta de mim. Algo diferente de quando ligo o rádio para ouvir o que toca, um efeito distinto das músicas que, na atualidade, conhecemos por sucesso.

Muitos dos que estavam lá eram mais velhos que eu e talvez para eles o show tenha tido um significado a mais, pois ao som de melodias como “Coração de Estudante” talvez fosse possível recordar uma juventude que ia às ruas protestar, uma mocidade que sabia o que queria.

Hoje não é mais comum o engajamento estudantil, a junção de pessoas que pensam além, que têm sonhos semelhantes e que querem vê-los realizados. Parece que é tudo muito fácil ou tão difícil que nada é possível. Ou é preguiça ou desesperança. A vida tornou-se uma regra, uma rota que impede seguir por outra direção, pois quem assim o fizer, pode perder vez. E para muitos, isso significa ficar para trás.

As composições de tempos passados diziam mais. São poemas ritmizados, denúncias fantasiadas, desejos alcançáveis. Daí a sensação de saciedade, pois é disso que carecem as vidas sem razão.

Mas antes de qualquer comício, protesto ou passeata, é preciso observar, conversar, pensar. E se começar for difícil, então será o verdadeiro coração do estudante, que cuida da vida, toma conta da amizade, que tem “alegria e muito sonho espalhados no caminho, verdes, plantas, sentimento, folha, coração, juventude e fé”.

5 comentários:

Carolina Tavaniello P. de Morais disse...

Legal a relação traçada entre o show e os protestos, o povo engajado de tempos atrás.
Saudades querida. Amanhã nos vemos. EBA! Beijos

Luana Duarte Fuentefria disse...

O show que eu queria ver... :(

Muito bom o texto, Aninha. Gostei das associações, todas. Tua cara, pra variar.

[quero visitas lá nos meus nuances, hein!]

Samir Oliveira disse...

É vero aninha.. os tempos mudaram. A maioria dos ditos "sucessos" musicais atuais é tão oco quanto a cabeça de muitos dos nossos amigos jovens de hoje. é tão estranho esse saudosismo de tempos nem mesmo vividos, né?

ótimo texto, bjo

Anônimo disse...

Adorei o comentário do Samir e concordo totalmente com ele.
Beijo!

Thales Barreto disse...

E é só você que tem
A cura do meu vício
De insistir nessa saudade
Que eu sinto
De tudo que eu ainda não vi.

Impossível não lembrar dessa musica depois desses comentários. Li o texto escutando a tua voz... Coisas loucas... Teu texto tem a tua assinatura, é inconfundível... Bjs... mto bom!!!!